Edi Fonseca, contadora de histórias, publicou em 2012, pela Editora Blucher, o livro "Interações: com olhos de ler – apontamentos sobre a leitura para a prática do professor de Educação Infantil". O texto abaixo foi extraído da obra. Nas fotos, a autora em ação.
Antes, muito antes de existir a escrita, os livros e a escola, já se contavam histórias. O ato de narrar oralmente é uma ação dos tempos mais remotos, que aconteceu em diferentes culturas, lugares e épocas. Ainda hoje narramos ao contarmos um fato que nos aconteceu no dia, um sonho, uma piada, uma história de família, um episódio triste, um momento de realização e alegria, a descrição de uma conquista... Trata-se do momento em que duas ou mais pessoas se reúnem para contar algo por meio de palavras, gestos, ritmos, expressões, olhares e silêncios. A narração oral não é um ato individual. Não é algo que se faz sozinho. E aí temos uma primeira resposta para a nossa pergunta. Narrar oralmente é uma ação que acontece quando se quer partilhar algo com alguém. “Vou te contar uma história”, “Escuta essa”, “Você não vai acreditar no que aconteceu comigo”, “Essa é boa, lá vai”, “Certa vez”, “Quando eu era criança”, “Na época da minha avó”, “De onde meus pais vieram”, “Há muito tempo”, “Você sabe da última?” “Era uma vez...” Frases muito conhecidas por nós. Em todas essas situações há a necessidade da presença de alguém que conta e de alguém que ouve a história.
“(...) a atividade de contar histórias constitui-se numa experiência de relacionamento humano que tem uma qualidade única, insubstituível.” (MACHADO, p. 33, 2004)
Talvez seja por isso que não só as crianças, mas os próprios adultos pedem para ouvir histórias e muitas vezes as mesmas. Quando nos reunimos nos encontros de família, sempre surgem aqueles momentos que alguém relembra algo que aconteceu ou quer contar aquela mesma piada, aquele mesmo causo. Pedimos e ouvimos a história já conhecida. Divertimos-nos ou nos emocionamos novamente com ela e ainda mais porque podemos antecipá-la. Observamos quem está em volta de nós se divertindo ou se emocionando junto conosco. Aquela história nos pertence ou pertencemos a ela. E isso tudo está ligado ao lúdico, à tradição e ao afeto – uma segunda resposta para nossa pergunta inicial.
É assim que acontece com a criança. Tem suas histórias preferidas e pede: Conte aquela história da bruxa! Conte de novo como foi o dia em que eu nasci! E pensamos: Mas de novo? Sim! Porque de novo poderemos ficar juntos, nos divertir, nos emocionar, sentir medo. E talvez possamos dar muitas risadas ou sintamos um frio na barriga. Talvez escutemos barulhos dos seres assustadores ou simplesmente um silêncio enorme cairá sobre nós. Porque de novo vou ouvir sua voz, observar seus gestos e expressões e olhar nos seus olhos. De novo viajaremos juntos por cenários conhecidos ou novos. De novo ficaremos perto, num momento de intimidade e de cumplicidade. Vamos, conte-nos novamente uma história e nos leve daqui, para o passado, para o futuro, para o mundo imaginário onde tudo pode acontecer.
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