Roseneide Felix Lages da Silva*
Desde que iniciei meu
trabalho como Professora Orientadora de Sala de Leitura, em outubro de 2009, algumas
perguntas me acompanhavam e me tiravam o sono: O que meus alunos pensam sobre o
ato de ler? O que prende mais a atenção desses grupos classes que atendo aqui
nesse espaço? Quais ações devo tomar para que a leitura ocupe realmente um
lugar de destaque em suas vidas? Eu ficava muito intrigada, pois sempre dizia a
mim mesma que na sala de leitura não temos máquinas que ao simples toque a
imagem aparece, a música começa a tocar, um filme se inicia, uma aventura
começa num jogo, uma lista interminável de pesquisa se abre na sua frente, enfim,
eu teria muito trabalho pela frente.
E ao passar dos dias, percebi
que os meus “meninos” me davam pistas o tempo todo, bastava eu estar atenta ao
que diziam mesmo sem perceber, durante uma conversa ou uma exposição oral.
E foi assim, numa conversa
sobre o que mais gostavam de ler num dia de realizarem empréstimos, que um
aluno da 7ª série “A”, Lucas Pereira, disse que precisava fazer uma renovação
dos livros que tinha em casa e que gostaria e muito de fazer uma troca com
alguns títulos que se encontravam ali na sala de leitura. Decepcionado ao saber
que seria impossível realizar tal ação, o aluno me pediu que pensasse
carinhosamente sobre o assunto.
E foi então que surgiu a
ideia de fazer a “1ª Feira da Troca
Literária” na EMEF Governador Mario Covas. Conversando com a Coordenadora
Pedagógica, o assunto foi discutido em JEIF e o grupo de professores aderiu a
sugestão e uma data já foi agendada para o evento: 31 de agosto de 2010;
juntamente com a finalização e exposição dos trabalhos realizados pelo Projeto
Vivenciando a Leitura.
Assim que retornamos do
recesso escolar, todas as turmas, tanto do ciclo I como do ciclo II, foram
avisadas da realização do evento. Receberam também orientação sobre o estado
dos livros que seriam aceitos na feira; e o que muito me espantou foi a
receptividade dos alunos. Todos tinham livros para participar da troca
literária. E muito me alegrei quando os alunos compareciam à sala de leitura
para entregarem seus livros, pois era possível perceber a alegria presente em
seus olhos.
No dia marcado, os alunos da
7ª série “A” e algumas alunas do grupo de contadores de história, vieram para
me ajudar a organizar a sala de leitura para o grande evento. Com as mesas
agrupadas e forradas com tecidos coloridos, os livros foram carinhosamente
colocados e organizados por gênero.
Com tudo pronto e um fundo
musical infantil para animar o ambiente; dois alunos dos 4º anos fizeram a
organização da fila do lado de fora, pois só era permitida a entrada dos alunos
com os “vale livro” que receberam à medida que me entregavam os títulos; as
alunas do grupo contadores de história ajudavam os menores na escolha de seus
livros e os alunos da 7ª série ficaram com as tarefas que exigiam mais atenção;
diziam eles: uns faziam a reposição e a organização dos livros nas mesas e
outros dois recebiam na saída da sala os vales e etiquetavam os livros que cada
aluno levava para casa.
Ao longo do evento, era
possível ouvir alguns alunos me dizerem: “Peguei um livro da Ruth Rocha,
lembra?” ou então “Vou levar este de Pedro Bandeira, ou este de Ana Maria
Machado, ou este de Vinicius de Moraes; ou ainda: Olha prô, aquele da Clarice
Lispector!” O único livro de Patativa do Assaré quase deu briga.
Professores também contribuíram com alguns títulos que animaram ainda mais a nossa feira que, diga-se de passagem, foi um sucesso total: com quase 500 títulos só no período da manhã, os alunos ainda me abordam e comentam: “Não vejo a hora de fazer outra troca, já li quase tudo o que levei pra casa e agora meus pais também estão lendo!”
Com a leitura, muitos dos
nossos alunos têm apresentado melhora inclusive na escrita, é o que muitos
professores dizem. E concordo com Fernando Sabino quando diz: “Sempre que me sento para
escrever sou um eterno principiante. Por isso às vezes passo horas, dias, à
procura da palavra adequada ou do encadeamento de uma frase.” Acredito
que leitura e escrita fazem parte de um processo geminado. Não dá pra dissociar
uma da outra, e posso ver que nossos alunos também já estão percebendo que o
caminho é ler e ler muito.
Durante a organização do
evento, muitos livros vieram parar em minhas mãos, e me emocionei muito quando dois
em especial que foram enviados pela mãe de uma das alunas da 4ª série: o
primeiro livro que consegui comprar na minha adolescência por cuidar dos filhos
de uma vizinha enquanto a mesma ia às compras. Um livro que muitos dos meus
colegas de sala na época já tinham lido e o comentavam com entusiasmo. E eu,
pelas dificuldades financeiras não podia sonhar com o luxo de comprar um livro.
Um livro que, quando
consegui a quantia para a compra, foi a mãe de uma colega de classe quem o
comprou no círculo do livro para mim: “O caso dos dez negrinhos” de Agatha
Cristie. O outro livro de que falei, foi comprado com muita dificuldade pelos meus
pais quando eu ainda estava na quarta série para fazer um trabalho: Itacirica,
a pedra que pensava de Waldson Pinheiro. São livros
que marcaram a minha infância e adolescência e que faço questão de guardá-los
com carinho. Espero que momentos como esse, também fique na memória dos meus alunos.
Pude concluir com este
evento que promover a leitura de bons livros vale muito a pena, pois com isso
os alunos começam a viver o encantamento da descoberta dos muitos sentidos em
um texto. Esta inserção do aluno no universo da cultura letrada desenvolve a
habilidade de dialogar também com os autores através da capacidade de ler em
profundidade seus textos atribuindo-lhes símbolos significativos para a
formação de sua cidadania, cultura e sensibilidade.
Termino aqui este relato com uma quadrinha que li no
primeiro livro que ganhei dos meus pais:
“O
livro é um mestre mudo
Que fala só por
sinais.
Lido uma vez já diz
tudo
E duas diz muito mais...”
(Waldson Pineiro, Itacirica, a pedra que pensava)
*Depoimento de setembro de 2010, quando participou do projeto Leitura ao pé da letra.